quarta-feira, 4 de março de 2015

O CONTO DO MÉDICO ÁRABE



Cinco e pouco da tarde de uma quinta-feira; estávamos saindo do trabalho, eu e mais uns 4 ou 5 amigos. O dia estava bonito e o sol ia aos poucos desaparecendo atrás dos belos prédios da zona sul de São Paulo.


Estávamos falando cada um sobre alguma coisa sem importância quando alguém sugeriu que fôssemos tomar algumas cervejas, falar mal dos chefes ou ver algumas garotas. Algo que fazíamos há uns cinco anos, desde os meus primeiros dias de trabalho naquela empresa.


Fui o primeiro a sair, queria muito fumar um cigarro. Passei meu crachá na catraca sem parar de falar bobagens para os que estavam atrás de mim.


Acendi meu cigarro e fiquei esperando o pessoal sair.
Enquanto esperava, olhei pra avenida e achei um pouco estranho, pois naquele momento os dois sentidos da avenida estavam calmos, algo muito incomum naquele horário, não passava praticamente nenhum carro. Pensei nisso por alguns segundos, mas quando todos se juntaram novamente, lá estava eu rindo, agindo e me divertindo como um adolescente novamente, falando bobagens para os outros.


Se fôssemos para o lado esquerdo, em 50 metros estaríamos numa esquina onde, do outro lado da rua estava o bar cheio de tantas histórias de tantos encontros em tantas tardes sem fim como aquela. Se atravessássemos a avenida, logo em frente ficava o ponto de ônibus, meio de transporte que todos nós usávamos naqueles dias.


Ficamos na porta da empresa tentando decidir nosso destino, quando, do nada, uma correria começou na calçada onde a gente estava, muito perto ou no ponto de ônibus que seguia para o extremo sul da cidade. Percebi algumas poucas pessoas gritando e correndo. Tentei entender o que estava acontecendo, mas, com uma descarga gigantesca de adrenalina somando a minha covardia, saí correndo sem nem sequer olhar pra trás. Lembrei-me da avenida vazia e automaticamente comecei uma corrida, tentando atravessá-la o mais rápido possível para me esconder atrás de algum carro estacionado do outro lado, perto do ponto de ônibus, até saber o que deveria fazer.


Não vi para onde meus amigos foram, apenas um deles, que optou pela mesma tática que a minha. Estávamos distantes uns 20 metros um do outro, porém ele já estava agachado e protegido atrás de um carro. Gritou algo pra mim, mas não consegui entender por causa do barulho dos tiros que não paravam um segundo sequer.


Corria o mais rápido que minhas pernas permitiam e, quando já estava nos metros finais, quase terminando de cruzar a avenida, a pouquíssimos metros de um carro cinza estacionado onde eu já me imaginava salvo, senti algo quente atravessando meu pescoço. Perdi o equilíbrio e meu corpo caiu no chão sem nada que eu pudesse fazer.


É clichê, eu sei, mas tudo realmente pareceu acontecer em câmera lenta.


Meu rosto bateu forte contra o chão. Não lembro disso, mas sei que foi isso o que aconteceu.
Eu estava caído, de bruços; sentindo o sangue se esvaindo do meu corpo. Meus olhos continuavam abertos, olhavam parte do asfalto, e mais distante e sem foco, a catraca que eu passei sorrindo há quase uma vida atrás.


Não vi mais nada, não ouvi mais nada. E, sem ouvir meu último suspiro, morri ali, alguns instantes depois.

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