sexta-feira, 21 de maio de 2010

JUST ANOTHER DAY


Ele acordou triste naquela manhã. Não queria falar com ninguém.
Estava sozinho em casa, todos haviam saído. As crianças na escola, a esposa foi pra academia e em seguida para o trabalho.
Não precisava trabalhar, ganhara uma folga naquela quarta-feira cinzenta.
E esse foi o grande momento do dia. Só o fato de estar longe daquele lugar, daquelas pessoas, um sorriso quase apareceu em seu rosto.
Naquele dia não teria que fingir estar bem, não teria que forçar um sorriso ou – o pior de tudo – dar explicações sobre seu silêncio.
Mas, ao mesmo tempo queria ouvir, pois nunca foi um apaixonado pelo som do nada.
Passou tanto tempo falando com os outros, na esperança de que um dia alguém falasse as mesmas coisas pra ele. Em vão. Nunca foi assim e também não seria naquele dia.

Estava sem fome, mas foi até a cozinha preparar o seu almoço.
Almoçou pouco; almoçou sozinho.
Abriu uma garrafa de vinho e ficou pensando, conversando sem palavras com seus dois companheiros: o copo - sempre cheio - e o cigarro. Não era bom, mas também não era totalmente desagradável.
Quando anoiteceu, todos já estavam em casa, e ele continuava quieto, muito diferente da maneira que sempre fora. Não houve piadas, não houve perguntas sobre o dia de ninguém e nenhuma demonstração de afeto e/ou interesse.
Ele pensou nisso, mas achou que, depois de tantos anos sempre indo ao encontro de todos para abraçá-los, seria bom se o oposto ocorresse, principalmente naquele dia, onde a tristeza o invadia de maneira arrebatadora.
Mas ninguém se aproximou.
Talvez seus filhos tenham percebido, mas a lição de casa, o banho e o videogame, mais a falta de maturidade para compreender, fizeram com que eles não tomassem nenhuma atitude.
Talvez sua esposa também tenha percebido, mas ela teve mais um dia cheio: acordou cedo, levou os filhos pra escola, correu para a academia e da academia para o trabalho. Trabalhou sem descanso e ainda teve aula no curso que estava justamente em semana de provas. Pra piorar, precisava ainda cuidar da casa que, segundo ela, estava sempre uma 'zona', arrumar o jantar, colocar a roupa pra lavar, tomar um banho e dormir logo para enfrentar tudo de novo no dia seguinte. Não houve tempo e nem oportunidade de olhar para o marido.
Mas é quase certo que não seria capaz de perceber aquele olhar triste e vazio.

Afinan, já um relacionamento longo, quase duas décadas entre namoro, noivado e casamento. Os dois se conheciam tanto e há tanto tempo que já não havia nada que eles pudessem conversar um com o outro.
E passando a maior parte do dia com tantos amigos descartáveis, não havia motivo para conversar sobre futilidades em casa.

Ele foi até a sacada do apartamento, acendeu um cigarro, encheu outro copo de vinho e ficou contemplando o céu eternamente nublado de São Paulo.
Pensou em tudo o que conquistou nesses 40 anos de vida e tentou pensar nos próximos 40; quais eram seus planos, seus sonhos e suas motivações para continuar. Mas continuou vendo apenas a escuridão.
Pela primeira vez, um sorriso surgiu em seu rosto, mas era um sorriso de sarcasmo, de alguém que não chegou nem perto do que planejou 20 anos antes, no final da faculdade, nos primeiros anos do casamento, no início da vida profissional.
Não conheceu o mundo, não ficou famoso, nem rico e nem teve o respeito daqueles que o cercavam.
Quando voltou para dentro de casa as luzes já estavam apagadas.
Passou pelo quarto dos filhos e seguiu direto, sem dar o beijo de boa noite que dava todas as noites desde quando eles nasceram.
Foi até a cozinha, pegou a garrafa de vinho e despejou o restante em seu copo.
Entrou em seu quarto. A TV estava ligada, porém viu que sua esposa já estava dormindo profundamente.
Abriu a gaveta do criado mudo e pegou uma cartela de remédios que ele às vezes tomava quando não conseguia dormir; colocou todos na mão e os tomou dando um longo gole de vinho.
Seu último pensamento antes de adormecer foi que certamente o dia seguinte seria muito diferente para todos.

Um comentário:

Flavinha disse...

Esse eterno cinza de SP me deixa mto deprimida.