quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

O MENTIROSO

Estavam casados há muito tempo, talvez tempo demais;
Estavam cansados há muito tempo, talvez tempo demais.

Neste relacionamento, como em muitos outros, as mentiras faziam parte do dia a dia do casal. Ele nem percebia que estava mentindo, não fazia por maldade. Falava sem a intenção de magoá-la.
Mas a verdade é que a mentira magoa sempre.

A primeira mentira foi ter dito a ela que nunca mudaria seu jeito.
Depois mentiu dizendo que, como homem, não era impossível o envolvimento dele com outra pessoa; Disse que não se arrependia dos erros cometidos e que, se pudesse, erraria novamente.

Porém, uma noite quando chegou em casa e a viu chorando, foi obrigado a mentir novamente: Disse que também não estava se sentindo feliz, e que o melhor para todos seria a separação.
A esposa, acostumada a acreditar em suas mentiras, acreditou nesta também.
Partiu na manhã seguinte.
Antes de fechar a porta, e talvez sem se dar conta, ouviu dele a maior mentira de todas:
- PODE IR, LOGO TE ESQUECEREI!

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Apenas números e nada mais

São 10 dias de conflito na Faixa de Gaza; 770 mortos confirmados até agora. Cá entre nós, nem é tanta gente assim. Essas coisas acontecem do outro lado do mundo. E acontecem sempre.
E se compararmos com outros grandes conflitos, ainda estamos muito longe de chamar isso de catástrofe.
Por exemplo: os ataques de 11 de Setembro mataram 3.000 pessoas em apenas um dia, fora o prejuízo de mais de US$ 1 bilhão;
Só no Brasil, por ano, 48 mil pessoas são assassinadas, a grande maioria por armas de fogo.
Como bicho homem, não quero me gabar, mas já fomos capazes de exterminar mais de 50 milhões de seres humanos nas 2 Guerras Mundiais.
Mas sempre há o lado bom, não é? Em tempos de crise, os governantes mundiais e a indústria das armas continuam gerando lucro, ganhando rios de dinheiro e aumentando o seu poder. Soldados garantem seus empregos, talvez não suas vidas, mas mesmo assim continuam longe de casa e da família lutando com afinco pelo....deixe-me pensar.... bom, essa parte eu não entendo muito, não sei bem quais são os motivos que levam um ser humano a tirar a vida de um semelhante.
Mas vale a pena. Certo?

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

1987

Todo início de ano, como muita gente faz, paro alguns instantes e tento analisar tudo o que vivi e ver as mudanças naturais pelas quais passei. Ontem não foi diferente. Percebi o quanto tenho admirado mais o meu canto, o quanto tenho valorizado meus momentos a sós. E, voltando mais no tempo, me lembrei de 1987.
1987 foi um ano tumultuado para mim: as companhias, as drogas, a fase rebelde dos 13 anos de idade. Nos estudos eu ia de mal a pior. Foi a primeira sétima série 'braba'. O ano que viciei em cabular aula.
Foi nessa época que conheci meu irmão gêmeo. Era meados de maio, alguns dias depois da morte da minha avó. A primeira pessoa próxima que eu perdia.
Ele se chamava Alexandre, eu acho. Nós éramos fisicamente idênticos, e tínhamos muitas coisas em comum. Talvez nos sentíssemos mais adultos que os demais meninos da turma. Mas ele era diferente, mais intenso, mais “vivido”.
Já com aquela idade ele curtia a solidão de uma forma adulta, que talvez eu só tenha uma compreensão melhor agora.
Sofria de ataques repentinos de fúria. Presenciei umas duas ou três vezes ele brincando com os amigos e, de repente, do nada, ele caía no chão, se debatia, rolava de um lado para o outro. Chorava baixinho. Nenhum moleque se atrevia a tentar levantá-lo. Ficávamos todos paralisados, assustados. Logo em seguida ele ficava de pé, secava as lágrimas do rosto, se limpava e voltava a brincar como se nada tivesse acontecido.
Nunca falamos sobre isso. Não tive coragem de perguntar e ele parecia não se lembrar desses momentos.
Era um ótimo cartomante, e também grande mentiroso. Não sabia dar más notícias; minha mãe e suas amigas adoravam consultá-lo. Talvez nem o levassem a sério, mas certamente gostavam de ouvir que seus maridos chegavam tarde por causa do trabalho ou que estavam realmente no bar com os amigos, mesmo sabendo que isso não era verdade.
A gente se encontrava de vez em quando. Na verdade, eu sabia mais dele através dos nossos amigos em comum.
Nossos encontros foram escasseando e finalmente, em dezembro, ele partiu.
Não houve adeus, não houve até logo.
Foi embora e nunca mais voltou.
Acho muito estranho o fato de ter ficado mais de 20 anos sem pensar nele.
Espero que ele esteja bem.